O ator que interpreta Luke Skywalker nos leva numa jornada através das filmagens no 40º aniversário do filme.
O menino do interior de Tatooine cresceu. Em fevereiro de 1979, Mark Hamill estava pronto para retornar ao papel de Luke Skywalker, quando chegou à inesquecível paisagem nevada de Finse, Noruega, para o primeiro dia de filmagem na gelada locação que levaria os espectadores ao planeta Hoth. Durante 4 meses, ele treinou karatê, esgrima, kendo e musculação para que seu corpo estivesse preparado para as exaustivas atividades exigidas pelo papel. Hamill raramente usava dublês, como na cena em que se balançou sobre o abismo dentro da Estrela da Morte, mas o filme O Império Contra-Ataca se mostrou o mais fisicamente exigente da sua longa carreira no papel.
Em uma conversa por telefone, da sua casa nos arredores de Los Angeles, Hamill exala o charme afável e a gentileza de um homem que é abraçado pelos fãs de Star Wars há décadas. "Eu tenho falado muito sobre isso, sabe, meus filhos já sabem de cor as respostas que eu dou, porque faz 40 anos", diz Hamill desde o início. Mas ele está pronto para reviver suas memórias das filmagens de O Império Contra-Ataca enquanto comemoramos o 40º aniversário do filme no final deste mês.
Hamill sabia durante as filmagens de Uma Nova Esperança que o filme era o começo de uma trilogia, e essa foi "uma das razões pelas quais tentei enfatizar a imaturidade de Luke", diz ele. "Sabe, eu sou muito zoado por, ‘mas eu ia à estação de Tosche buscar os conversores de potência’”, diz Hamill com a voz mais alta e choramingando exageradamente. "Mas eu fiz isso de propósito, para ser capaz de crescer e torná-lo um adolescente confuso, porque no final do filme ele encontrou seu objetivo na vida e mudou profundamente", diz o ator.
Nos bastidores, tudo era diferente. "Foi um momento crucial na minha vida, porque [minha esposa] Marilou e eu estávamos esperando nosso primeiro filho", diz Hamill. Nathan Elias nasceu assim que os Hamills voltaram à Inglaterra, em junho de 1979. Ele lembra que "havia uma diferença marcante nas atitudes" do elenco e da equipe, "porque, no primeiro filme, ninguém sabia sobre nós ou se importava. Quero dizer, eu lembro de mostrar o roteiro para os meus amigos dizendo ‘Ei, você precisa ler isso. É a coisa mais louca na qual eu já estive envolvido’. Não havia mídias sociais. Não havia segurança. Não havia nenhum foco num filme de fantasia científica desconhecido, mas tudo mudou depois disso. Então, no Império, de repente ... tivemos que ser muito cuidadosos. ”
30 passos do hotel
Desde a chegada em Finse, Hamill e seus colegas estavam sob tremenda pressão, lutando contra um severo inverno norueguês, que incluía nevascas que fechavam as linhas de trem e, basicamente, prendiam a equipe no hotel. “Eles encontraram um local a 90 minutos do hotel, que tinha uma geleira azul, que fotografava azul.”, ele disse. “Eu estava empolgado para ver essa geleira, mas aconteceu a maior tempestade de neve em não sei quanto tempo. Então, acabamos gravando ao lado do hotel. Quero dizer, se você virasse a câmera para o lado, poderia ver pessoas tomando chocolate quente em suas varandas, enquanto o Harrison [Ford] e eu atuávamos ao lado de um tauntaun morto.” A cerca de 30 passos da porta do hotel, Hamill aguentou tomada após tomada, deitado na neve, enquanto seu personagem, um jovem rebelde ferido vislumbrava o espectro do antigo mestre. “É engraçado, porque se você vir as fotos com os membros da equipe, eles estão todos usando máscaras e óculos de proteção, sabe, completamente empacotados. Eu ficava empacotado até a hora de gravar, então, todo o equipamento de proteção saía e eu tinha que colocar uma roupa feita para ser bonita, não necessariamente prática para me manter aquecido naquelas condições. E eu lembro que eu tinha que estar meio grogue e inconsciente quando o Obi-Wan aparece na minha visão. E eles diziam ‘Põe um pouco mais de neve na cara dele!’ e o Graham Freeborn (maquiador chefe) pegava um punhado de neve e colocava nos meus cílios e nas minhas sombrancelhas.”, diz Hamill. “Eu aguentava o máximo possível e depois procurava uma tenda para me aquecer até que eles precisassem de mim de novo. É definitivamente um ambiente desafiador. Quero dizer, o norte da África é quente, mas é mais fácil lidar com ele que com o frio.” ele compara o escaldante sol da Tunísia, locação de Tatooine, à congelante Hoth.
“Não era para o Harrison ter ido a Finse,” o mau tempo gerou atrasos e imprevistos, então houve uma mudança na agenda de filmagem que reuniu o trio protagonista. “Ele gravaria todas as cenas em Elstree, na Inglaterra, mas por causa das mudanças de tempo e agenda, ele encontrou a gente lá. E apesar de a Carrie [Fisher] não ter cenas lá, ela foi visitar a gente. Ela queria ficar com a gente, e era divertido tê-la em Finse.”
Enquanto os três amigos passavam o tempo juntos no intervalo das gravações, Hamill conta que, por causa do rumo da história – que levava os três protagonistas para caminhos opostos -, ele gravava a maior parte das cenas sozinho. “Foi uma experiência solitária em muitos sentidos, porque o Luke se separou de Han e Leia. Então, às vezes, eu os [Carrie e Harrison] via no estúdio ou no camarim, mas eu ficava com saudades dos dias que corríamos juntos pela Estrela da Morte. Era muito divertido quando estávamos juntos. E, neste... quero dizer... Por meses, eu era o único ser humano na ordem do dia. ‘Ator: Mark Hamill. Papel: Luke Skywalker.‘ E na parte de cenografia estavam... você sabe: ‘cobras, R2-D2, Yoda.’”
Tudo era possível
Durante as filmagens, Hamill atuou em tantas cenas perigosas, que virou membro da British Stunt Union (União dos Dublês da Grã-Bretanha). Teve um momento em que foi impedido de fazer uma cena pela companhia de seguro. Quer dizer, eles não acharam boa a ideia de Hamill atravessar uma janela falsa de vidro em Bespin e cair em um mar de colchões.
“E vou contar uma coisa. Naqueles dias – mudou porque eu envelheci, - mas naqueles dias, eu queria fazer todas as cenas de ação possíveis” diz Hamill. “[Império] Foi o filme fisicamente mais desgastante de todos, por causa dos duelos com o sabre de luz e tudo isso.” Nesse filme, foi a primeira vez que Hamill pegaria na arma Jedi para uma verdadeira batalha com Darth Vader. Embora a gravação tenha atrasado após ele machucar o polegar fugindo de um AT-AT imaginário no dia em que seu filho nasceu, o duelo em si exigiu mais acrobacias e golpes coreografados que o embate entre Vader e Kenobi em Uma Nova Esperança.
“Eu trabalhei com Peter Diamond, que era o coordenador dos dublês, e Bob Anderson, que foi um campeão olímpico de esgrima e que também era o dublê de Vader. Foi um treinamento intenso. Nós trabalhamos uma sequência da qual nos orgulhamos muito. Estou falando de semanas e semanas de treinamento. Então, dissemos ‘Vamos chamar o George [Lucas].’ Chamamos o George para que ele visse o que tínhamos feito, e ele disse ‘Hum...bem,’” – Hamill faz a sua melhor imitação de Lucas. “'Vocês não podem tirar as mãos do sabre de luz. Vocês não podem segurá-lo apenas com uma mão.’ E nós dissemos, ‘O quê?’ Nós tínhamos coreografado uma sequência que tinha giros e um monte de coisa... Mas ele não queria que segurássemos o sabre só com uma mão. Então, tivemos de refazer toda a coreografia. Foi frustrante, mas por sorte tínhamos Peter, um excelente coordenador de dublês, e Bob. Ele era uma pessoa que se daria conta se eu cometesse algum erro e improvisaria, de forma que parecesse parte da coreografia. Só uma pessoa que entende muito faria com que um novato parecesse bom naquilo. Com certeza, esse foi o caso.”
Para a cena dentro do tanque Bacta, Hamill invadiu um curso de mergulho. “Eles me levaram para uma escola privada que tinha uma piscina enorme, porque eu nunca tinha mergulhado antes. E eu disse a eles ‘Eu não acho que seja nada demais. Eu só vou ter que respirar através de um cilindro. Qual é o drama?’ E eles disseram ‘É melhor você tentar.’ Então, eu fui a uma escola só para garotas e eles interditaram a piscina para que eu fizesse as minhas aulas. Eu lembro, em um momento que eu olhei para o andar de cima, de ver umas 50 garotas rindo e apontanado para mim” comenta Hamill. “Foi interessante.”
A cena de Elstree estava muito longe de uma experiência arrepiante. Hamill achou bastante relaxante. Segundo ele, “Foi maravilhoso porque a água estava quente o suficiente para ser agradável e era como estar em um tanque de isolamento. [Luke] deveria estar inconsciente, então, eu estava lá flutuando... foi surreal, porque podia olhar para fora e ver os contornos de Harrison e Carrie e [o diretor] Irvin Kershner e a equipe. Foi uma experiência única para mim. Acho que nunca mais fiz nada igual.
A cena do treinamento de Luke em Dagobah foi uma das últimas que gravaram. Os efeitos que trouxeram Yoda à vida eram novos na época, era uma mistura de um trabalho de marionetes com engrenagens e motores que frequentemente exigiam ajustes no set. “Tivemos ensaios com Frank [Oz], e não tive dificuldade em acreditar que [Yoda] era real, porque ele era real para mim. Eu queria acreditar. E Frank e sua equipe, Wendy [Froud] e Kathy [Mullen], eram muito talentosos. Mas era solitário, porque eles se escondiam na trincheira quando estavam gravando. Eu não os via até o intervalo das cenas."
Para deixar tudo ainda mais complicado, o fone que Hamill usava para ouvir a voz de Oz - enquanto o manipulador de marionetes estava escondido - eventualmente sintonizava no sinal da rádio local. “O fone funcionava relativamente bem, o problema era que dependendo da posição que eu estava, o fone sintonizava com ondas de rádio e, do nada, eu ouvia o Top 40,” comenta Hamill. “As duas músicas que eu lembro são ‘Fool to Cry’ dos Rolling Stones e aquela música de discoteca ‘More, More, More’” Hamill começa a cantarolar a música “'More, more, more! How do you like it? How do you like it?’ Da primeira vez que aconteceu, eu desatei a rir, e o Kershner disse, ‘Olha, é muito importante que você não faça isso,’ porque o Yoda... quero dizer, continuamos chamando-o de fantoche, mas na época ele era realmente um tipo de acessório eletrônico elaborado que nunca tinha sido testado. Ele vivia em manutenção. Ele desmoronava. Ele piscava, suas orelhas mexiam e, então, é claro, Frank o trazia de volta à vida. Mas se a parte eletrônica falhasse, ele teria de voltar ao laboratório de Stuart Freeborn para ser arrumado.
“Eu ouvia ‘Muitos anos eu... Ooh, daddy you’re a fool to cry,’” Hamill mistura a voz de Yoda com a de Mick Jagger cantando. “[Kershner] dizia que, se isso acontecesse de novo, e realmente aconteceu, eu deveria continuar com o rosto impassível, como se nada estivesse acontecendo. Hamill aprendeu a ler os lábios de Yoda, para que, quando a marionete parasse, ele pudesse dar a sua fala. “Podia ser grande. Às vezes, eu ouvia a rádio por 30 segundos. Sabe, era um verdadeiro desafio, mas a gente conseguiu.”
E quando o Yoda estava em manutenção, Hamill ainda gravava suas falas, mas contava com a ajuda de algumas gambiarras. “Tinha um boneco que eles usavam. Sempre que você me vir sozinho (em um take), provavelmente eu estou olhando para um graveto com um pedaço de fita na linha dos olhos. Muitas vezes, usamos o boneco nas cenas em que o Yoda está nos meus ombros, porque as costas do boneco eram idênticas às do Yoda original.”
Grande revelação
Mesmo depois de terminadas as gravações de Império, Hamill não descansou. Ele teve de guardar por um ano o segredo sobre a identidade do pai de Luke Skywalker. David Prowse, o homem dentro da fantasia de Vader, soube apenas no lançamento do filme.
“Esta é a parte da história que os meus filhos sabem de cor de tanto que eu conto,” Hamil comenta. Um dia antes de gravar a cena central do filme, Kershner puxou o jovem ator de lado e avisou sobre uma mudança de roteiro. “No roteiro que todos receberam, a fala era ‘Você não sabe a verdade. Obi-Wan matou o seu pai,’” Hamill comenta. “Então, eu pensei ‘Que grande virada!’ Seria imprevisível se Alec Guinnes fosse o grande vilão.”
Mas um pouco antes de filmar, Kershner revelou outra virada, que ficou de fora do roteiro para garantir o sigilo da informação. Na cena, Darth Vader conta que ele é o verdadeiro pai de Luke, “Não, eu sou o seu pai.” “Kershner disse, ‘Eu vou contar para você uma coisa. Eu sei. O George sabe. E eu vou contar para você, então você saberá. O que significa que apenas três pessoas sabem. Se isso vazar, nós saberemos que foi você.’ Então, o fardo de guardar esse segredo por um ano, um ano e meio, foi enorme. Foi imenso. Tipo, não tinha mídias sociais, eu não vazaria a informação, mas eu falo dormindo. E eu estava morrendo de medo por saber disso”. Na primeira exibição do filme para o elenco, Ford se irritou por ter sido deixado de fora. “Harrison virou pra mim e disse ‘Você não me contou!’” Hamill imita Ford. “Eu disse, ‘Eu estava com medo! Morrendo de medo!’” E ninguém no set percebeu. “Apesar disso, a cena funcionou exatamente como esperávamos. Todos se surpreenderam!”
A decisão de mudar de rumo da história, criando uma fantasia espacial sombria de filme noir após a vitória dos rebeldes no final de Uma Nova Esperança, é uma das razões pelas quais Hamill acredita que Império foi tão bem-sucedido e continua entre os favoritos dos fãs da saga Skywalker. "Uma das coisas que eu mais gostei do filme é que, muitas vezes, as sequências tentam repetir a experiência do primeiro filme. No caso de Star Wars, seria quase um daqueles passeios em parques de diversões, nos quais você apenas senta e faz um passeio com o final triunfante, todo mundo vive feliz para sempre e é divertido e tal. Mas este era muito mais cerebral. Havia uma espiritualidade sobre a Força no primeiro, mas este, com a adição de um personagem como Yoda, me deixou impactado só de ler. Foi muito mais profundo. Foi muito mais desafiador para o público e, claro, muito sombrio e chocante por ter acabado com a nossa derrota, sabe? Foi trágico em tudo. Foi simplesmente terrível. Mas foi realmente emocionante para mim. Eu pensei: ‘Isso é meio que decisivo. E se esse não se conectar com o público?’ Para o futuro da franquia - e naquela época eu estava pensando apenas na trilogia – era fundamental que esse filme se conectasse... Pensei que, se esse falhasse ou se o público o rejeitasse, estávamos todos em um grande problema. "
Mas uns 40 anos depois, os fãs continuam abraçando a sequência obscura que termina com a Aliança Rebelde de joelhos e um Luke Skywalker no momento mais baixo da sua vida: exausto, seriamente machucado e derrotado emocionalmente. A história, os personagens e o poder da Força ressoam até hoje, assim como os efeitos especiais.
"Eu acho que é primordial", diz Hamill sobre a necessidade de histórias como Star Wars. "Acho que é como os contos de Grimm que vivem ao longo dos anos. Eu sempre pensei que, quando li [Star Wars], eu pensei que isso é muito mais um conto de fadas do que ficção científica tradicional. Porque há uma princesa, um garoto de fazenda, um pirata e um mago... Temos sorte de George conseguir incuti-lo com tanto humor. Lembro de ler e pensar: 'É tão engraçado!' Sabe, existem ótimos momentos dos robôs discutindo sobre de quem é a culpa, a princesa não quer ir no navio em que foi resgatada. É tão relacionável! É tão humano. Aqui está ela, a realeza, e é como se seu pai a buscasse na escola com um carro destruído, e ela se envergonhasse na frente dos amigos. O filme nunca perdeu o contato com a humanidade. Então, sim, havia o aspecto de fantasia e os efeitos especiais e, claro, John Williams. Você não imagina quão poderosamente isso nos ajudou. Mas, apenas em termos de pura narrativa... você sabe, isso se conecta com as pessoas. No geral, é uma história muito otimista. É realmente edificante e as pessoas precisam da reafirmação de que as pessoas são basicamente boas e de que se ajudarão. Trata-se de fazer a coisa certa de forma altruísta para um bem maior e é reconfortante, eu acho. "
A Editora Kristin Baver é escritora, autora do This Week! In Star Wars e nerd de ficção científica que sempre tem "só mais uma pergunta" de uma inesgotável lista de curiosidades. Às vezes, ela diz "É cilada!", mesmo quando não é.